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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 22 de setembro de 2024
 

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Mensagem: A BALADA DE GAU Estatura alta, tez mulata, corpulento, musculoso, carrancudo e generoso, um galalau. De nome, Olegário Maciel, este era Gau. Amigo do peito e empregado da fazenda Lagoinha de propriedade de Biô Maia. Derrubava uma rês no muque! Alpercatas de couro, canivete Corneta, palha macia e fumo de rolo goiano, um boque com acendedor de pedra e ferro, calças de Triunfador amarelo, camisas de riscadinho. Vestia-se sem cuidado, igual aos lírios do campo. Na bainha uma lambedeira 12. No peito um patuá dependurado em um cordão de algodão com sete nós. Coisas de sua origem campesina e ligadas a ritos afros. Presente que recebeu quando menino de sua avó Belmira cadomblezeira. Meio desligado das coisas deste mundo bobo, meio desatento. Seu espírito passeava no etéreo e ele caminhava na realidade opressora desse mundo doido. Empregado da Fazenda Lagoinha, Sancho Pança do Dom Quixote Biô (Gabriel da Silva Maia), proprietário das terras, assim era Gau. Nos bons 1950 ele vinha à cidade buscar a menina Quita Maia (irmã mais nova de Biô) para passar uns dias na fazenda Lagoinha no Cedro. Imitando Ford Bigode, ele botava a cunhã pendurada na sua costa e saia com as mãos suspensas segurando um guidom imaginário e guiando feito carro pelas trilhas da Malhada, até a propriedade. Pisava tão macio que a menina chegava dormindo no destino. Em 1965 com a venda das terras, seu único rincão, veio com o seu amigo e patrão, morar no apartamento de Quita Maia, já adulta e casada, na Rua Dom Pedro II, no centro de Montes Claros. Não ficou embora tivesse cama, mesa e banho. Detestava modernidades, não misturava o seu barro humano ao barro das gentes da cidade. Chegou a comprar uma alpercata Roda para passear a noite com Biô no footing da Praça Coronel Ribeiro. Assustou-se com a mistura de aromas dos perfumes usados pelas meninas moças. Nuit de Noel, Lorigan, Chashemere Bouquet. Estava acostumado ao cheiro de suor e da brilhantina Glostora! Na morada nova havia escadas e os botões do elevador para apertar. Ele não sabia mexer em botões! A solidão da urbe agregou à sua alma o peso da saudade. Quando se botava a beber a cachaça, sorvida na meiota, aliviava. Às vezes, duas meiotas. Era difícil subir todos aqueles degraus variando o guengo com os parietais pegando fogo e as pernas bambas. O bom mesmo era morar no plano, no chão de Meu Deus, lá na Lagoinha, onde tinha canário cantador sob a amplidão dos céus, as lagartixas comendo inseto nas palhas. A modernidade trouxe a telefonia automática e, com ela, o aparelho de baquelita preta da Siemens. Chamado para receber um comunicado do patrão, vindo em espirais metálicas pelo telefone e como o berço não lhe embalara a retórica, exclamou no dialeto pé-quebrado, estando espavorecido! Ué! Como é que cabe seu Biô aqui dentro desse trem preto! Ato seguinte arrancou os tentáculos e artérias daquele monstro grudado na parede. E com sua violência em nome do pudor, quebrou tudo visando libertar o patrão, possivelmente espremido ali na barriga daquela instrumenga. Voltou para a Fazenda Lagoinha e foi morar numa palhoça de taipa, um pau-a-pique com telhado de sapé e chão de barro batido no pé do morro Dois Irmãos, figura símbolo da cidade de Montes Claros. Debaixo da ramada, uma rede feita de palha de tucum, um toco servindo de banco um pilão velho e umas cabaças ocas. Morada de pequenos viventes da chapada! Dizem que criou uma pendenga com o novo dono das terras! Não tinha mais Biô para dois dedos de prosa, agora conversava com os duendes, com o espírito da serra e com o caipora das florestas. Assoviava para os fogo-pagô que pulavam no capim nativo e usando um apito de madeira imitava canário-pardo, sabiá, bicudo, e galo de campina, esse foragido da gaiola do vizinho. Pássaro trazido de Campo Maior no Piauí. A noite se botava no sereno a escutar o choro da mata no anoitecer e o chiado do chocalho da cascavel marcando presença. Nos serrotes de pedra, uma lapa, morada de um gato maracajá que urrava imitando onça. Pura técnica de sobrevivência! Assistia o sol nascer, via as sombras do lusco-fusco e as assombrações da chapada. Dizem que chegou a ver um Saci-Pererê de gorro vermelho pitando um cachimbo cotó. Vento de agosto, o mês do desgosto. Uma lufada de ar atiçou uma faísca do fogão de barro e a Salamandra do pé da serra pôs fogo na palha do casebre. Naquela noite, Gau, tinha tombado no chão de terra batida, vencido pela cachaça branquinha, saída da cabeça do alambique e ingerida sob a égide da tristeza. Há controvérsias! E aí, foi fogo no lombo de Gau! Ficou que nem tição! Virou cinza. Retornou às cinzas de que viera e como uma Fênix, sua alma alçou vôo com as asas de Pteros. Gigantes, efebos e homens-menino, quando morrem vão para o Olimpo.

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