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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 31 de outubro de 2024
 

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Mensagem: O Chá de Porto Alegre Silio Jader Mais ou menos um ano após minha chegada a São Paulo, ou seja, em 1971, para exercer o cargo de Inspetor do Banco Real fui encarregado de realizar um estudo de mercado na cidade de Jaguarão, Rio Grande do Sul visando a possível abertura de uma agência. Eu já contava com 34 anos de idade, estava casado, já era pai de duas filhas, dominava profundamente os serviços bancários , detinha algum conhecimento de literatura, arte, política e assuntos gerais , obtido através do autodidatismo, mas do ponto de vista do comportamento social e etiqueta era um autêntico ignorante, ´capiau´ mesmo como a gente costuma denominar lá em Salinas no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas, rincão de minhas origens. Não pretendo falar do estudo que lá fui fazer e sim do episódio do chá que acabou fazendo-me rir de mim mesmo. Minhas filhas e netas divertem-se muito quando conto. Após cerca de 1 hora de voo a bordo do jatão da Sadia, aeronave de fabricação inglesa, moderníssima na época, cheguei ao hotel de quatro estrelas, novidade para mim, no começo da noite. Cansado e com fome não demorei a ligar e pedir um chá completo. Foi rápido. Dois toques na porta a qual abri prontamente e lá estava o funcionário trazendo uma bandeja forrada com um grande guardanapo branco muito limpo e bordado. Um convite ao paladar. - Seu pedido doutor, disse ele. Eu estava nos primeiros anos de minha carreira de inspetor, já tinha viajado bastante, mas ainda sem experiência de como comportar em publico , elegantemente, e aquela era uma viagem cheia de surpresas e coisas novas. Os 5 anos que residi em Salvador não foram suficientes para um treinamento social. Estava pois, hospedando pela primeira vez em um hotel daquele padrão. Assim sentei-me à mesa, quase solenemente, para sorver o fumegante chá e ´devorar´ as guloseimas que o acompanhavam. Retirei com cuidado o guardanapo e encantado deparei-me com um bule de aço inoxidável, talheres também inoxidáveis, leiteira e xícara de porcelana. Tudo estava cuidadosamente ali. Saquinhos de chá, leite e água quente, manteiga, queijo, torradas mas faltava uma coisa. Pensei logo - não existe nada perfeito. Procurei bem mas não estava lá a ´coadeirinha´ ou peneirinha não sei, para coar o chá! Quase liguei para pedir mas minha timidez o impediu. Não faz mal ´matutei´. Rasguei dois saquinhos de chá, despejei na xícara, água quente em cima e logo o aroma feriu as minhas narinas. O chá concentrou-se na superfície da água e formou uma nata preta. Mexi bem para afundá-lo mas foi inútil. Ele se recusou a afundar e continuou boiando. Roguei um praga e levei a xícara à boca. Tentei beber e ao primeiro gole a maior parte ficou grudada em meus lábios, na língua, além de alguns grãos presos na garganta. Tossi, quase engasguei, e concluí que sem a ´coadeirinha´ não dava. Falei com meus botões ´ desta vez passa mas na próxima não vou vacilar e bancar o bobo, reclamarei o utensílio para coar. Desisti do chá, tomei o leite com prazer e achei deliciosos os demais acompanhamentos. No dia seguinte, contente com o conforto desfrutado no hotel, embarquei em um ônibus para Jaguarão onde cheguei no final da tarde. Ao despertar na manhã seguinte dirigi-me ao refeitório para o desjejum. Não havia ´bufet´. O serviço era feito por garsons. Sentei-me a uma mesa, fui prontamente atendido e enquanto a minha solicitação não chegava, observei que uma família, casal e dois adolescentes, acomodou-se a pouca distância de onde eu estava. Identifiquei-os logo como uruguaios já que Jaguarão fica na fronteira e eles falavam alegremente em um espanhol muito agradável aos meus ouvidos pouco acostumados com a referida língua. No meu pedido tratei de cuidadosamente omitir o chá. Não demorou e eu, cheio de apetite, comecei a comer as delícias mas sem tirar os olhos da mesa vizinha. Atento ouvi a menina pedir, além de outras coisas, exatamente um chá com torradas. Ao chegar o pedido dela meu olhar fixo identificou os saquinhos de chá e, gozado, não trouxeram a ´coadeirinha´. Examinei melhor e nada. Decididamente ela não estava lá. Minha curiosidade aumentou, fiquei atento na expectativa de que a garota solicitasse o utensílio, para mim, indispensável, que não estava lá. Meu espanto foi grande já que ela nada pediu. Colocou a água quente na xícara, pegou um saquinho com delicadeza e elegância, esperei rasgá-los mas não foi o que aconteceu. Simplesmente depositou fechado na xícara com a pequena etiqueta pendurada num cordãozinho do lado de fora e tomou gostosamente. Foi assim que fiquei sabendo que chás de saquinho não vêm acompanhados de ´coadeirinha´. * Silio Jáder Noronha Brio é Autodidata. Ex-Ombudsman do Banco Real

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