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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 23 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Nesta tremenda onda de nostalgia, que vai contaminando tudo (por causa do mau jeito do momento?), creio que é bom ler o que envio agora. É o ´testamento´ do poeta/trovador Cândido Canela, que no ano passado - se fosse vivo - teria completado 100 anos. Em 67, ainda pleno de saúde, Cândido escreveu o que envio, e é uma página de saudades, de conhecimentos, de maturidade. Precisa ser lida, relida; às vezes, precisa ser guardada, para se saber de quando em quanto como esta cidade foi feita de sonhos e de belas histórias, verdadeiras. Por favor, publiquem: ´O meu testamento Cândido Canela Madrugada de sexta-feira, dia vinte e quatro (24) de fevereiro de mil nuvecentos e sessenta e sete (1.967). Entra. pela janel a, nos braços da brisa, um doce, um agradável perfume. Vem dos jasmins do caramanchão do nosso modesto e simples jardim. A lua derrama seu clarão argênteo sobre Montes Claros, que dorme tranquilamente. Lá pelas bandas dos Morrinhos, ouve-se a voz de um seresteiro apaixonado, chorando suas mágoas ao braço do pinho amigo. Mais um dia passou na escala do tempo inexorável. Enxugo duas lágrimas que escorrem dos meus olhos fundos e tristes. Sinto ir-se-me morrendo a velhice da minha mocidade e nascendo a mocidade da minha velhice. E a época em que todos devem ir-se preparando para a GRANDE VIAGEM, amimando as malas para pegar o TREM DA ETERNIDADE. Isso, há muito, venho fazendo com a preocupação de, nessa viagem, não transpor o Estígio, pagando passagem ao avarento barqueiro Caronte. E, assim, meus amigos, passo a redigir o meu testamento que, tenho certeza, irá causar surpresa a muita gente. Sei que ele não se reveste das formalidades legais ATINENTES A ESPECIE, faltando-lhe qualquer valor jurídico. Não deixa, contudo, de representar uma disposição de última vontade, que deve ser respeitada e cumprida fielmente. Há muitos anos penso na feitura desse documento, em crônica, o que meus familiares julgavam uma extravagância. Hoje - louvado seja Deus - eles já vão se conformando com essa minha excentricidade. Assim, ao testamento, com algumas passagens da minha vida, que não devem ser escondidas ou omitidas: - Meu nome é CANDIDO SIMOES CANELA, conhecido, na intimidade, pela alcunha de Nôzinho. Sou católico não praticante, há muitos anos. As razões disso são motivos para outra crônica. Sou, entretanto, cristão convicto. Creio em Deus Pai Todo Poderoso, Criador do Céu e da Terra. Creio na Ressurreição da Carne e naVidaEtema. Nasci nesta Cidade de Montes Claros, Estado de Minas Gerais, na Rua da Assembléia, hoje Avenida Afonso Pena, número 490, a vinte e dois (22) de agosto de mil novecentos e dez (1910). Sou filho de Antônio Canela e Luiza Canela,já falecidos. Em 1925, meu pai - homem simples, mas grande entusiasta da educação e da instrução - pretendia enviar-me à capital do Estado, onde deveria estudar Medicina. Por razões adiante expendidas, não acudi aos desejos de meu querido genitor. Isto custou algumas lágrimas ao velho sertanejo das Contendas, hoje Brasilia de Minas. Em 1926, ingressei-me na Escola Normal de Montes Claros, onde me diplomei. Não fui um dos melhores alunos, diga-se a verdade. Burrice? Incapacidade? Modéstia à parte, não. Malandragem, isto sim. Um profundu amor por uma menina de quatorze anos fora, ainda, outra razão dos meus fracassos. Mas que adorável fracasso! Que encantadora malandragem!... Aquela criaturinha fora toda a razão da minha existência de jovem loucamente apaixonado. Fora os meus castelos de areia edificados na rocha viva da ardente paixão, nas montanhas de granito dos doces sonhos juvenis. Vi-ano céu azul das manhãs sertanejas e no firmamento pontilhado de loiras estrelas, minhas confidentes. Retratava-a no luar prateado do sertão, nas matas, nas serras cobertas de paus d’arco e barrigudas em flor; nos chinchalous perfumados, nos cravos silvestres, nas acácias caboclas, nas jarrinhas da inexplicável beleza matuta; nas sanguíneas flores do mulungú, em contraste com a brancura das flores das ingazeiras ribeirinhas. Divisava-a nos rios, nos córregos marulhantes e nossos mansos lagos. Sentia-se no canto dos pássaros, no pio dos jaós, dos inhambús e dos notívagos e tristes cui-iangus solitários, saudando as brancas noites de lua. Via-se nas manhãs rutilantes e nas tardes tristes do sertão. Todos os meus versos se inspiraram nessa viva FONTE DE CASTALIA, que já pertence ao MUNDO DOS MORTOS. Guardo dela imperecível recordação, transfeita em profunda e tema saudade. Ela fora, ainda, o lírio branco, a açucena, a begônia, a bonina, o jasmim, a perpétua, a sempre-viva que ornaram e perfumaram os jardins da minha doce juventude. Fora ela, enfim, o exórdio da minha felicidade. Encontrei, depois, a mulher querida, a esposa de infinita bondade, adorável mãe de meus filhos. Aquela fora o sonho do jovem. Esta, o despertar da realidade, a concretização dos anseios do rapaz que desejava, então, construir um lar despido de ilusões fugazes. Casei-me aos vinte e dois anos (22) anos, a trinta (30) de setembro de mil novecentos e trinta e dois (1932). A pobreza material foi sempre minha inseparável companheira. Animado, entretanto, pelo otimismo e pela coragem espartana dessa Artemisa cabocla, venci todos os obstáculos da vida, criando cinco filhos, jóias sem preço - iguais às de Cornélia-Bendito asilo, perfumados travesseiros de flores, fofo leito de plumas em que, na velhice, descansaremos nossas cabeças cor de neve e os nossos corpos cansados ante o peso dos anos. Não foram poucas as vezes que bebio fel das injustiças, na taça da vida. Pisei os espinhos, senti os cardos e as urtigas lacerando meus pés, no caminho da existência. Em compensação, tenho fruído, pela bondade de Deus, as delícias da paz no lar, ante a ternura da esposa amiga, o carinho dos filhos e das noras, os beijos dos netos encantadores. Não há fortuna material, no mundo, que possa comprar tamanha felicidade. Nunca fiz mal a ninguém, conscientemente. Se, porventura, possuir defeitos, devo tê-los por equívoco, nunca por vontade. A eles, humildemente, peço perdão. Tudo no mundo são ilusões. Tudo é passageiro e transitório. Tanto as glórias quanto as desventuras passam à feição das nuvens de maio. Onde está, hoje, a lança de Rômulo? E o manto ensanguentado de César? E a espada de Roldão? E o Estilete de Virgílio? E as moedas de Vespasiano? Tudo passou. Desapareceu. Talvez, ainda um dia, serão postos em leilão a coroa de Guilherme Segundo, o chapéu de Napoleão, a farda de Hitier, a túnica de Mussolini, o cetro de Afonso Treze, o bigode de Stalin e o barrete de Mustafá Kamel. E é possível que ninguém concorra para a aquisição desses troféus. Por tudo isso, dando pouco ou nenhum valor às glorias do mundo material, é que venho de formular este testamento, através desta humilde crônica, disposição da minha última vontade. Não quero choro no dia da minha morte. Não chorar o que não existe. Ninguém morre. A vida é eterna. A alma sobrevive. A vida não termina no túmulo, mas recomeça... E meu desejo que, ainda de corpo presente, se executem as músicas NOTURNO de Chopin, SINFONIA II’IACABADA de Schubert, SERENATA de Tozeli e algumas canções sertanejas, principalmente as interpretadas por Tonico e Tinoco. Exijo que meu enterro seja de última classe. Dispenso, com humildade, discurso à beira do túmulo, para se evitar que os meus amigos exaltem minhas virtudes (se as tiver) e omitam.., os meus defeitos. Tão logo o meu corpo se cubra de terra, exijo que minha sepultura se nivele ao solo, para que nunca seja identificada, assim, nada mais faço que seguir o exemplo do piedoso Padre Antônio Tomás, o príncipe dos poetas cearenses, que, de tal maneira, foi enterrado e sem esquife. (Revoguei este capitulo, atendendo reiterados pedidos da minha famflia, mas peço que minha sepultura seja marcada apenas por uma cruz, ou por um simples carneiro rente à terra). Nada de campa. Nada de mausoléu sobre o meu túmulo. Campas e mausoléus são monumentos de mármore que a vaidade cobre buracos, em que se encontram alguns quilos de ossos, de mistura com pregos de caixão podre e botões de roupas desfeitas. Quero-os, entretanto, edificados com o mármore da prece da lembrança e da saudade nos corações dos meus entes queridos e dos meus amigos. Recomendo aos meus sucessores que as despesas que possam ser destinadas àquelas pompas da suprema vaidade, sejam distribuídas, em partes iguais, ao Asilo São Vicente de Paulo e ao Orfanato Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de Montes claros. Aceito os Sacramentos da Igreja, não os imponho. Aqueles que desejarem cultuar minha memória no dia de Finado, segundo a tradição, rogo que o façam em preces ofertadas à minha alma carente de luz. Assim, termino este meu testamento “sui-gêneris”, mas sincero. E, completando, nomeio meus testamenteiros os meus diletos amigos: Dr. João Valle Maurício, Antônio Francelino Lafetá, Carlos Gomes da Mota, Georgino Jorge de Souza, Antônio Gomes da Mota, José Carlos Lafetá, Augusto Otávio Barbosa, Osmane Barbosa, Orlando Ferreira Lima e o Dr. Carlos Gomes da Mota Filho, estando aqui, este último, substituindo Osmane Barbosa, quejá pertence à Pátria Espiritual. A todos os testamenteiros, meus queridos amigos, rogo aceitarem a piedosa incumbência que é a de fazer cumprir tudo que aqui se contém e declara. Não me riem, meus amigos. Este é, realmente, O MEU TESTAMENTO.´

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