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montesclaros.com - Ano 25 - sexta-feira, 29 de março de 2024
 

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Mensagem: Um montes-clarense arraigado Eu o conheci bastante. Era meu vizinho e acredito que muitos ainda se lembram dele. Era um homem simples, nascido e criado na dureza do sertão. Suas mãos calosas era o retrato de uma vida de sacrifícios na sua mocidade. Era alto e forte, descarregando toda sua energia quando falava. Pouco dinheiro, poucas opções e nenhuma ambição. Em compensação, muita saúde, muita alegria, muita tranqüilidade e um enorme coração. Seus pais vieram da zona da mata, se estabeleceram aqui e aqui ele nasceu. Bem humorado, tinha sempre uma piada para contar, criticando muitas vezes os políticos da nossa terra, picaretando (no bom sentido) os companheiros, zombando da própria vida e enquanto o fazia enrolava pacientemente o cigarrinho de palha com fumo de rolo, picado a canivete. Problemas difíceis para os outros a ele nada afetavam. Quem dele se aproximava tinha a certeza de que teria momentos agradáveis e descontraídos, novidades e notícias que só ele sabia. E costumava dizer: sou um cabra macho, não levo desaforo para casa e enfrento qualquer bicho brabo, desarmado e nunca perdi uma parada. Mas era manso como um cordeiro. Antes mesmo do sol aparecer por trás dos montes claros, já o nosso amigo estava de pé, tomando um cafezinho que ele mesmo fazia no enorme fogão a lenha que era seu orgulho, afirmando sempre: comida boa tem que ser cozida com fogo forte, labaredas lambendo o fundo das panelas. A gente tem que soprar o fogo e sentir a fumaça ardendo nos olhos, pois o que é mais difícil é mais apetitoso. Na sua simplicidade não tolerava sapatos (nem aos domingos) e enfiando os pés nos grossos chinelos de solado de pneus, em mangas de camisa, tranquilamente, ele descia todos os dias a rua Dr. Santos. Em frente o Mercado Municipal (o antigo), os companheiros já os esperavam ávidos pelas novidades. Numa alegria enorme, com um riso franco que deixava à mostra o seu repertório. Sua euforia era tanta que esgotado o seu repertório natural, intentava causos, até escabrosos que deixavam os ouvintes boquiabertos, e naquele impacto, ele ia saindo de fininho, dizendo: Amanhã tem mais. Tá na hora de pegar o grude: a família é muito grande, se eu não correr perderei o sobre e a moela do franguinho caprichado que é criado no meu quintal. Anos atrás seu pai, temperamental e intransigente, resolveu voltar a sua terra natal com toda a sua família, mas o nosso amigo Pedro, apesar de jovem, teve o topete de discordar, deixando o pai desesperado, que perdendo as estribeiras disse-lhe: Se não me obedecer não se considere mais meu filho. Pedro ficou muito triste, com o coração apertado, mas num rasgo de coragem, respondeu-lhe: Tá certo. De hoje em diante eu serei Pedro de Montes Claros e daqui não sairei. Com este apelido (que se tornou seu verdadeiro nome) ele se tornou conhecido e respeitado na nossa cidade. Foi um nome certo fazendo jus ao grande amor que dedicou a esta terra que o adotou de coração aberto. Com seu jeito simples conseguiu fazer grandes amizades e não havia um só montes-clarense que não o olhasse com simpatia. Era brincalhão em casa mas quando dava uma ordem era obedecendo rapidamente. Aqui ele criou os filho, num exemplo de honestidade, passando-lhes desde cedo grandes responsabilidades pois acreditava no velho ditado: é de pequeno que se torce o pepino. Nossa cidade crescia e era escura apesar do esforço tremendo do coronel Luiz Pires para manter a energia, que funcionava precariamente e só à noite. Só em 1938, no governo de Bendito Valadares, doutor Santos, então prefeito de nossa cidade, começou a batalhar para o aproveitamento da Queda de Santa Marta, que melhorou bastante a energia elétrica, chegando para nós a época dos eletrodomésticos, até então proibitivo em nossa cidade. Surgiram também os sofisticados fogões elétricos e a gás, chutando os antigos fogões de lenha. A grande novidade era o milagroso fogão que não encarvoava as panelas nem enfumaçava as paredes. Mas o velho Pedro, sempre agarrado aos preceitos do seu temperamento, não aceitava aquele modernismo. Preferia ouvir todos os dias o retumbar do pilão quando alguém, pacientemente, socava o arroz em sua casa e afirmava que o café torrado e moído em casa era muito mais saboroso e cheiroso. O tempo foi passando e assim também foi se modificando a casa do velho Pedro. Os filhos cresceram, se evoluíram bastante, acompanhando o progresso da nossa terrinha. Nestas alturas, Sinval Amorim, seu filho mais velho, que nascera os dentes atrás de um balcão de armazém, dotado de grande tino comercial fizera sucesso, e com as idas constantes ao Rio de Janeiro, onde mantinha grandes negócios, conhecera de perto a civilização, queria implantar em sua casa as novidades que já eram uma necessidade e um descanso para dona Anália, sua mãe. Mas o velho bairrista não queria mudar os seus hábitos. Era o próprio sertanejo arraigado, comodista e sem nenhuma pretensão ou ambição. Bastava-lhe o que possuía, ligando muito pouco para as cifras e novidades. Detestava as propagandas do rádio e quando, contra a vontade, as ouvia, dizia bem gritado: “Êta homem que fala, e com esta voz de taquara rachada parece mais uma cancela destrambelhada”. E alegando dor de cabeça, mandava parar aquela matraca, no que era logo obedecido, pois ainda era o galo que cantava naquela casa. A família toda queria modificar o sistema, mas o velho Pedro não concordava. Dona Anália, eufórica com as idéias de Sinval, sonhava com o fogão a gás. Já se cansara de soprar fogo e arear o carvão das panelas. Tudo que ela alegava a família retrucava vencendo-o pela lógica. Tinha que acompanhar a evolução dos tempos. Mas o velho Pedro não cedia. Desagradava-lhe a idéia daquele fogão sofisticado em sua cozinha. Tanto questionaram e o azucrinaram que ele já estava entregando os pontos. De repente, teve uma idéia brilhante e foi logo dizendo: - Não quero, não quero mesmo, só depois da minha morte (chantagem emocional) vocês poderão fazer e modificar tudo, mas agora não. - Mas porque tanta implicância? – disse sua mulher. - Pois fiquem sabendo – disse ele, com esse fogão merdinha, onde o meu gato de estimação vai achar o borralho para ele cochilar? Foi uma bomba!E o velho Pedro de Montes Claros venceu a parada. (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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