Receba as notícias do montesclaros.com pelo WhatsApp
montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 9 de outubro de 2024
 

Este espaço é para você aprimorar a notícia, completando-a.

Clique aqui para exibir os comentários


 

Os dados aqui preenchidos serão exibidos.
Todos os campos são obrigatórios

Mensagem: (Do livro ´Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos´ - Parte 27)

CHEGADA A JURAMENTO – O CASO DOS 5.000 RÉIS

A chegada a Juramento foi decepcionante. Eu viera a cavalo, desde Glaucilândia. Ao descer o Morro da Barriguda, abarquei com a vista o povoado. Era um pequeno aglomerado de casas, no fundo de uma depressão, no vale do Rio Juramento, cercada por serras e morros. A população, como vim a saber mais tarde, pelo censo de 1940, era de 545 pessoas na sede do povoado e 7.351 no meio rural.
Conforme me haviam ensinado, logo após atravessar a ponte de madeira sobre o Rio Juramento parei em frente ao primeiro estabelecimento comercial. Era uma casa velha, comprida, com uma janela e 4 portas abrindo para a rua. Apeei do animal, prendi a rédea a um dos moirões que havia em frente à casa, galguei a calçada e entrei no estabelecimento, onde estavam 4 pessoas trabalhando do lado de dentro do balcão.
Um senhor magro, de meia altura, usando boné de casimira e que claudicava um pouco ao caminhar, trabalhava ativamente a atender à freguesia. Em dado momento, erguendo a vista para os animais em frente à loja, exclamou:
– Uai! Aquele é o cavalo do compadre Antônio. – E baixando o olhar até onde me encontrava, perguntou:
– Você é o rapaz que está vindo para trabalhar aqui? – Recebendo minha resposta afirmativa ele abriu a portinhola do balcão e convidou-me:
– Pode entrar. Ponha suas coisas lá dentro e venha nos ajudar.
Assim eu fiz.
A loja era estreita e comprida. Com prateleiras atulhadas em toda a altura da parede.
Da direita para a esquerda estendia-se um balcão estreito que terminava em uma portinhola. Era o balcão da banca de toucinho, mantimentos e bebidas. Da portinhola em diante o balcão era mais largo, bem conservado e atendia ao comércio de tecidos, armarinho, arreios, ferragens, utensílios domésticos e o mais que se vende nas comunidades rurais.
O caixeiro que tomava conta do balcão dos mantimentos e das bebidas era um cidadão de cor, filho do lugar e que conhecia toda a freguesia. Ele usava chapéu de aba larga o tempo todo. O sr. Adair, que era o sócio-gerente, mandou que eu o ajudasse no atendimento daquele balcão.
Nesse primeiro contato com a freguesia tive mostra do atraso do lugar. Ali não chegara ainda a balança de balcão. Os mantimentos não eram vendidos a peso, mas medidos em vasilhame de madeira e a unidade era a medida e não o litro. As medidas eram caixas quadradas de madeira. A menor era chamada de MEDIDA e equivalia a dois litros.
A freguesia era grande, barulhenta, na maior parte gente da roça, usando chapéus de couro.
O que observei naquele primeiro dia foi suficiente para formar opinião sobre o que era o Juramento Velho. O acesso a Montes Claros só se fazia por estrada cavaleira. Para Glaucilândia havia acesso precário para carroções de burros e carros de bois. A correspondência, inclusive jornais, vinha de Glaucilândia de 4 em 4 dias, por um estafeta a cavalo. Não havia energia elétrica, nem calçamento. Água era de cisterna ou apanhada no rio. Não havia telégrafo nem telefone.

Eu vinha de um povoado atrasado, mas servido de estrada de ferro. Recebia diariamente jornais das grandes capitais e correspondência de todo o país. E havia o telégrafo da Estrada de Ferro, que recebia e expedia telegramas de terceiros. Sob esse aspecto Juramento Velho estava muito abaixo de Várzea da Palma.
À noite, faltou-me o sono. A decepção era muito grande. O lugar era atrasado e desconfortável demais. Eu tinha experiência de balcão. Sabia vender tecidos. E era quartanista do curso de Ciências e Letras, classificado em primeiro lugar. A mim fôra entregue a banca de toucinho e o balcão de mantimentos e cachaça a varejo. O meu antecessor, que estava sendo promovido ao balcão de tecidos, era analfabeto. Só fazia contas de cabeça.
Perdi o sono. Eu fôra enganado, sobre as condições de trabalho. Devia voltar para Várzea. Sem sono, ouvi um violão sendo afinado, na rua, em frente à loja, e pessoas falando em voz alta. Lembrei-me de ter ouvido um dos caixeiros dizer que um pequeno comerciante do lugar, que ficara viúvo, estava querendo namorar uma cunhada do sócio gerente da firma, e iria oferecer a ela uma serenata naquela noite.
O violão fez a introdução e o viúvo cantou:

Maria Júlia
que embarcou pra Barbacena,
coitadinha da morena
quase morre de chorar ...


Mandei fazer
um punhal de puro aço
morena me dá um abraço
para eu me consolar,

ele é de aço
tem dois anelão de ouro
Morena deixa de chôro
que eu nasci pra te amar.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)

Preencha os campos abaixo
Seu nome:
E-mail:
Cidade/UF: /
Comentário:

Trocar letras
Digite as letras que aparecem na imagem acima